
Em tempos de aquecimento global e tsunamis, onde quem deveria estar sofrendo preconceito é o dono da perua cabine dupla que ocupa duas vagas no estacionamento, o usuário do transporte público ainda é alvo de chacotas.
Se for o ônibus da empresa, sem problemas. Os dos artistas, também agradam:
- Olha lá!!! O ônibus do Vitor e Léo!!!
- Olha ali... o ônibus com os jogadores do São Paulo!!!!!
Outro dia a Cátia Fonseca falou que era bom a pessoa entrar no consórcio, assim parava de tomar o busão. Logo ela, que junto com a Mama Bruschetta tem uma ferramenta tão bacana em mãos, que é o grande poder de comunicação. Ao invés de incentivarem as pessoas a impactarem menos no ambiente, locomovendo-se de forma ecologicamente correta, reforçam o preconceito aos passageiros, insinuando que esse tipo de transporte é reservado aos que não têm poder aquisitivo suficiente para galgar um degrau social.
E não param de trabalhar o tempo todo incentivando o cidadão a se endividar, somente para se livrar do estigma da pobreza. Pobreza a dela, de espírito, de soltar uma frase como essa:
- Vai lá, compra, não precisa de comprovante de renda, assim você nunca mais vai precisar se pendurar no busão!
Andar de metrô até que é chique. O paulistano não fica triste de dizer que veio de metrô, porque envolve um certo glamour. É um transporte relativamente limpo, rápido e prático. A velocidade com que as pessoas atingem seus destinos é suficiente para dar um álibi positivo ao fato de terem escolhido esse meio de transporte. E tempo, para o paulistano, é tudo. Mesmo que aquele seja o dia de não fazer nada.
O preconceito ao usuário do ônibus não vem apenas dos que só andam de carro. Vem também dos próprios companheiros de viagem. Ontem mesmo, uma menina atendeu o celular no ônibus e falava (gritava) assim:
- Quando você chega aqui? Quando? Tem problema não, eu vou te buscar! Cê me liga que eu te pego lá!
Repetiu isso umas três vezes, para informar que era motorizada. Na volta, quando a chuva não me deixava esperar o ônibus no ponto (que teve sua cobertura depredada por vândalos), acabei me escondendo da água na entrada do Banco Itaú. E lá fiquei junto a alguns executivos que explicavam o por quê de estarem esperando o ônibus.
- Deixei meu carro no estacionamento do escritório.
Papo de ponto de ônibus é sempre assim. A conversa vai e vai até chegar uma hora onde o carro vira assunto. É preciso justificar ao outro paulistano o porquê de não estar de carro. Mas deixar claro nas entrelinhas que é proprietário de um veículo.
Se existisse uma camiseta onde estivesse escrito "Deixei meu carro na garagem", seria um sucesso de vendas.

Os europeus são felizes porque andam a pé, de bicicleta, e ficam irritados quando vêm pra cá e não conseguem descer dos carros para sentirem a cidade. Isso, andar a pé pela cidade, é senti-la. Não tem coisa mais gostosa do que passar pela calçada e sentir o cheiro de tempero de feijão, quando está perto da hora do almoço. De carro não dá pra fazer isso.
O carro é ótimo, é prático, mas é inviável sair por aí o tempo todo com ele. É caro pagar tantos estacionamentos. Haja grana!
Não há problema algum em dizer que veio de ônibus porque é econômico. Porque não tem carro. Porque não sabe ou não gosta de dirigir. Porque passa na porta da sua casa. Porque é bom pra natureza. Ou porque não ganha o suficiente para pagar prestação de carro, seguro, imposto, gasolina e estacionamento - além de outras tantas contas mais.
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