segunda-feira, 10 de maio de 2010

Comunidade x Privacidade

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Estou com saudades de filosofar. Desde que comecei esse trabalho venho observando os contrastes da cidade mais de perto, e além da riqueza x pobreza existente em nossa capital, observo também contrastes comportamentais importantes, e hoje me ocorreu que talvez sejam essas sensações interiores que nos impedem de exercer nossa cidadania com mais intensidade.

Esse é o ano da Copa do Mundo. Ano em que todo mundo é brasileiro, "com muito orgulho, com muito amor". Será esse o ano ideal para plantarmos a semente cidadã definitivamente em nossos corações, olhando nossa cidade com outros olhos?

Franco Montoro dizia: "Você não mora no Brasil. Você não mora em São Paulo. Você mora na sua rua, no seu bairro". E isso é tão óbvio mas ao mesmo tempo tão invisível aos nossos olhos...

Há uma imensa árvore aqui ao lado de casa que passou dois meses soltando folhas aos montes, montanhas que nem cabiam nos sacos. Agora, que essa fase já passou, conversando com o vizinho, comemorei o fim da estação e a limpeza da rua - livre das folhas. Ele, surpreendido, não sabia do que eu estava falando pois não havia reparado nas folhas caídas. E me indicou um parque do outro lado da cidade, onde há árvores iguais àquelas canadenses. Ele sonha com as árvores do Canadá, mas não repara na nossa, bem em frente aos nossos portões.

Outro caso foi um carro abandonado, que quando foi retirado, passou despercebido aos olhos de quem não estava por aqui. Um dia mostrei uma foto de nossa rua para uma vizinha, onde um caminho de árvores cor-de-rosa coloria toda a imagem, e ela me perguntou onde era essa rua.

Durante minha campanha, entrei em dezenas de prédios, falei com dezenas de porteiros, e todos se surpreendiam quando recebiam meu material que falava sobre nosso direito de exercer a cidadania. Achavam estranho um envelope entregue em mãos. Não era cobrança, nem entrega. Não era extrato, nem telegrama. Era um convite de vizinho para vizinho.

Alguns me fizeram entregar o material por um vão tão estreito que mal passava o envelope. Poucos conversaram e sorriram. Mas todos receberam - isso já é uma luz...

É muito difícil fazer amizade na cidade grande. E, se for ver, a gente também nem quer... Porque depois que o vizinho abusado pega confiança, é um tal de pedir coisas emprestadas, de bater papo em horas impróprias... Isso é irritante, afinal, estamos sempre com pressa! Mesmo que essa pressa expresse apenas a irresistível vontade de chegar em casa logo para ligar a TV e nem prestar atenção no que está passando.

Eu, como paulistana, também sou assim. Gosto de ter privacidade. Mas com pequenos gestos, como varrer a porta uma vez ou outra, pegar os papéis caídos quando não estou com vontade de varrer tudo, pedir pra fechar o buraco em frente de casa, por uma plaquinha bonita pedindo para que a limpeza seja mantida, já consegui mobilizar os moradores em volta, que acabaram admirando a limpeza, ou ficando com vergonha por nunca fazerem nada pela calçada. E isso foi espontâneo, não precisei pedir. Bastou apenas passar um tempo varrendo um pedaço das calçadas deles para de vez em quando também ver a minha limpa, sem eu pedir.

Estou orgulhosa por ter colaborado aqui na rua para que a Coleta Seletiva finalmente passasse pelas casas (pois antes só recolhia nos edifícios), mas isso não foi fácil. Liguei quase uma dezena de vezes para a empresa responsável, distribuí informativos aos vizinhos, conversei com os coletores. Mas finalmente a coleta está sendo realizada.

Olho em volta e vejo que os outros pedaços da rua estão esburacados, mas nunca o nosso, pois trato de pedir o fechamento sempre que algum buraco aparece. O carro incendiado foi retirado, a casa abandonada agora fica mais limpa, porque colei avisos por lá, falando que a calçada está sendo filmada (mentira). Ali efetuei uma grande limpeza, e agora só retiro um lixo ou outro quando aparece. O vizinho também gostou da ideia e carpiu os matos.

A casa abandonada foi invadida, mas eu pedi ao invasor que não jogasse lixo na rua. E ele não joga. Além disso, procurei mudar meu método de abordagem com os vizinhos dos prédios, que passeavam com os cães e defecavam nas nossas portas. Antes eu olhava feio e os perseguia, mas de um tempo pra cá procuro cumprimentar e sorrir e ultimamente nossa porta está sempre limpinha.

Meu próximo passo será fazer um mosaico de pastilhas no canteiro da árvore. Tenho notado que calçadas enfeitadas com artesanato tendem a ser mais respeitadas, pois o cuidado salta aos olhos de quem passa.

Minha privacidade por enquanto continua intacta. É possível trabalhar pelo todo e ser cidadão, sem perder o sossego, sem deixar de ser paulistano.

A filosofia do paulistano é individualista. Mas dentro do individualismo é possível escolher a resignação ou a atitude. E essa é transformadora.

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