Desde criança tenho medo de fiscais. Tanto no comércio de meu pai e nas inúmeras vezes que reformamos a casa, a Prefeitura sempre fez o papel de vilã em nossas vidas.
- Cuidado com o fiscal!
- Os homens tão chegando!
Os impostos era altos e indignos. Então, a nós, imigrantes da época do "de grão em grão a galinha enche o papo", para pensar em guardar algum dinheiro a necessidade de driblar a fiscalização era imprescindível. Além das cobranças astronômicas, tão grandiosa quanto era a colaboração malandra solicitada pelos fiscais, que encontravam porcas e parafusos fora do lugar a todo momento, só pra levar uma graninha a mais por fora. Sorte dos que tinham conhecidos na Prefeitura. Esses sim, tinham seus alvarás assinados, lustrados, amaciados e beijados. Azar o nosso, que estávamos sempre atrás de um empreiteiro barateiro para conseguir fechar a conta mão-de-obra e material.
Desde que sou criança não vejo a Prefeitura como um órgão que trabalhe a favor do povo. Essa imagem que tenho é arcaica, mas não muito. Tanto que observamos até hoje que as cobranças de impostos sempre chegam em dia, infalivelmente. Já a prestação de serviço falha, e falha muito.
Tenho postagens no blog programadas automaticamente até o fim de agosto. Foram vídeos feitos com a mentalidade que tinha até pouco tempo atrás. Pensava numa forma rígida de fiscalizar, de aconselhar. Talvez uma forma impositiva, já que a irresponsabilidade de muitos é o prejuízo e a desgraça de outros tantos. As enchentes e suas perdas são provas irrefutáveis do que estou falando.
Mas aos poucos fui percebendo que a cidade que quero pra mim não é uma cidade que me persiga, mas sim a que me acolha e me traga felicidade. Caso minha calha esteja fora de prumo, minha calçada tenha um degrau (como dezenas de milhares de outras tantas), que a Prefeitura não me obrigue a consertar correndo, num momento em que não disponho de recursos para isso. A Prefeitura foi permissiva com essa forma de construção, e não é justo que de uma hora para outra todos tenham que modificar tudo correndo, já que a própria cobrança do imposto traz consigo a ideia de aceitação do perfil de minha propriedade.
Com minhas vivências nas reuniões do Conseg, com a leitura do jornal, as conversas entre amigos e a observação do fluxo de pessoas, seus vícios e necessidades, sinto que mudei minha forma de pensar.
Hoje, muito do que disse durante os filmes e também do que escrevi, já não mais faz parte de mim, nem de meus pensamentos. Gostaria de me manter nesse trabalho colocando novas palavras em meu vocabulário, como observação, compreensão e informação. Movimentos silenciosos (como por exemplo enfeitar a porta de casa), despertam a vontade do vizinho enfeitar também. Trafegar por uma rua limpa me faz ter vontade de morar numa rua limpa também. Vi que muita gente já está engajada em todos esses processos. Pessoas competentes, influentes e bem-intencionadas.
Ontem fui ao West Plaza e fiquei observando a linha do trem, os prédios, a vista. Senti intimamente que o desenvolvimento urbano está muito acima de nossas vontades. O progresso não dará trégua nos próximos anos e por mais que tentemos melhorar pequenos detalhes, que logicamente serão de grande importância no final do processo, muito mais poderemos fazer na área da convivência humana.
O tráfego de pessoas é permeado pela sinalização, mas também pela gentileza. A segurança é pautada na altura dos muros e na fortaleza das trancas, mas também no olho do vizinho, na minha atitude amistosa diante dele, na simplicidade ou não de nossos hábitos, que podem gerar ou desmontar expectativas sobre nossos tesouros escondidos.
Não me agrada observar competitividade ou falta de amistosidade entre jornais, associações e vizinhos. Não quero participar disso, nem pretendo utilizar os vídeos para acusar ou denunciar ninguém. Os vídeos foram feitos para exemplificar situações que se repetem milhares de vezes diariamente. A ideia não é a denúncia, mas sim o olhar. Muitas vezes erramos por falta de informação. Mais ou menos como quando pegamos no volante e saimos fechando pessoas sem querer, porque ninguém nos mostrou essa situação pelo ângulo de quem vem atrás. Quantas fechadas damos em tantas pessoas durante o dia sem percebermos?
Nossa população é formada por muita gente diferente, vinda de tantos e tantos lugares... Estrangeiros que muitas vezes não conseguem ler português direito, nem se comunicar adequadamente. Pessoas com problemas de visão, de audição, compreensão. Gente que veio de cidades onde não havia nem água, nem carros, nada. Por isso penso hoje a cidade de um jeito novo. A cidade não cabe em multas, cartilhas e estatutos.
São Paulo fala muitas línguas e o desafio é inventar um idioma compreensível a todos. Tentar se por no lugar do outro. E do outro, e do outro... Ouvir, mais do que falar.
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